terça-feira, 17 de maio de 2011
Carta a Marília II
O pensamento é uma questão de gravidade, empurra-nos para baixo, ao contrário dos sentidos que são em tudo verticais e fazem subir. Não que acredite verdadeiramente nisto Marília, não acredito verdadeiramente em nada. São várias as portas abertas, que nos dirigem a ligações sempre novas e seguras. O Amor é tudo o que faz subir, a sensação e a emoção geram filhos. O pensamento afoga os filhos. Qualquer movimento de vanguarda sabe-o e deve explorar os pólos como a potência vital do homem, anular os pólos e abrir a possibilidade. Habito-a, a dos teus olhos. O nosso século acabou com a legitimação – bebeu de mais e acordou sozinho. Todos os filósofos alemães tinham um dilema antes de ir dormir. Rezar para dentro, fazer um pacto com o futuro, com um fabricante de sinos de uma realidade paralela, atingir o meta-susto perfeito que faz evoluir. Só o amor faz evoluir. Não há caminho, ele abre-se à nossa frente em links imperfeitos. O pensamento abre janelas, mas também afoga. O que dá valor à viagem é o medo, a sua virtualidade, o medo é a mais virtual das portas e recheia-nos de sombras Marília, mas só ele é motor e faz avançar, a civilização gera-se de medo, o medo engrossa as pontas da estrela. A estrela entra na cidade, assusta mas aquece. Aquece-nos a baía trémula de luz, como os lábios húmidos, sempre por fechar porque nada se fecha. Trabalhei todo o dia a partir pedra. Fiz um poema de amor com a ajuda dos heterónimos que me acordaram. Partimos num barco a vapor, esperavas-me do outro lado. Um continente cheio de medo a que chamaram América. Estou preso ao mundo por todos os meus gestos, aos homens por todo o meu reconhecimento. Mas também pelos fios dourados da culpa; também ela guia orientador da civilização. Toda e qualquer civilização leva pólen nas patas e deixa-o cair, espalhar-se pelos campos, como os evangelizadores jesuítas a deixarem a semente fluorescente do cristianismo, nos campos, nas cidades a serem pintadas pelos expressionistas. A minha alegria não têm fim Marília, é a de todos os que partem, e pouco tempo falta para te ver. Sou uma pequena abelha, sou uma pequena abelha, e escrevo ensaios sobre a morte e a para-literatura, a que não a chega a ser. Deus – Mediterrâneo – Força, ergue-se: Construção Link Link Link, A escultura grega decai quando surge o sorriso e o olhar. Há girassóis na nossa casa diante do mar, e os cordeirinhos banham-se a teus pés na rebentação da lua – da casa diante do mundo. Por cima do girassol meteram cimentos – alicerces fortes de uma construção para uma casa de saúde. Nada se fecha. As portas abrem-se, as janelas abrem-se, as rosas brancas abrem-se como num adagietto. Esperamos o fim da narrativa, mas não é um fim é um início eterno aquilo para o qual caminhamos. Na casa diante do mar a ler as partículas elementares, a ler todos os homens, as suas expressões rápidas: Na casa diante do mundo, construída por Camus, a fumar na sua varanda: O sol de frente. Não foram duas, mas quatro Sicílias, aquelas que os remadores de troncos fortes viram quando vieram de Cápri. Quatro cidades de Palermo espalhavam-se pelo deserto, fugidas de sítio. Amar é perder a cara, a identificação. Tudo é um, caminha para o um. Não existe sim e não, os pólos tocaram-se em nó contínuo, desfizeram-se. O carregador tem a perna partida por causa de um acidente de trabalho. Toda a história universal é um acidente de trabalho. Está em recuperação contínua. Um abraço pré-hispânico há-de repetir-se na era nuclear, na verdade nunca acabou porque a arte é um rio, contínuo o seu leito Marília. A arte nunca está acabada, apenas é por vezes abandonada. Mas o abandono é uma forma perversa de criação, porque o tempo contínua a obra. O mesmo se pode dizer da civilização, que é o mesmo que a arte, mas com um pouco mais de pólen. Mandaram-me carregar blocos de pensamento de um lado para o outro. Só depois percebi que eram de pedra.
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