domingo, 23 de janeiro de 2011

Alegoria de Sisifo

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Estava sentado no cimo do monte de entulho e pedras, e atirou uma das maiores lá para baixo, ouviu-a e viu-a rebolar, esse som repetia-se desde o tempo da condenação. Uma marca de leite condensado pode criar um mito e no mito e nos dedos criarem-se cortes por um mau processo de enlatamento, as máquinas andam depressa, os mitos andam depressa de mais e afogam-nos, pensava nisto ao mesmo tempo que São Bento, o patrono da velha Europa, a racionar o pão, o vinho e o queijo para cada monge, a racionar a hora de deitar, de pensar, de meditar, de orar, de ouvir os sinos, de dobrarem literalmente os sinos, o tempo de banho, a água que se gasta em cada banho, não pode ser quente porque isso aliena o monge. Tudo pensado para para cada monge europeu, seguidor da regra como nós: Sisifo com os seus calções curtos e uma camisola dos ultra Ribeira, a soar há tantos séculos em cima do entulho. Desde que em Maio de 2020 todo o bairro dos Guindais foi demolido para serem criados miradouros, restaurantes, bares e jardins. Sisifo estava no cimo do entulho que era o antigo bairro, mas o tribunal declarou que não fosse criado o espaço cultural dos guindais enquanto Sisifo não tivesse cumprido a sua pena eterna, aos eternos filhos de Deus, o Parlamento Europeu e alguns estados americanos atribuíam a pena eterna com trabalho, algum trabalho que o juiz lia num livro de mitos, a justiça dava as mãos à mitologia, no mesmo sítio onde antes era o Palácio das sereias e se colocava no alto do porto de Leixões grandes bandeiras negras, alertando que um semi-deus estava na cidade e que as pessoas não podiam acorrer a ela: o mesmo era feito nos aeroportos
Sisifo fumou um cigarro e desceu toda a escadaria, a rocha tinha batido na ponte, Sisifo subia com elas às costas, assim o condenaram os deuses, subir com rochas até ao cimo, depois elas tombarem num movimento perpétuo e num ciclo eterno Sisifo subir com as pedras outra vez até ao cimo. Do seu cabelo e cara pingava suor. Estava muito sol. Passaram uns turustas japoneses que fotografaram o semi-deus a subir com a rocha às costas; captarem o9s eczemas nas costas, os músculos sobre tanta tensão e arranhados.

Os turistas passaram, e foi aqui que o escritor que escrevia este conto, saiu do quarto e me disse para eu guiar o texto da forma que me apetecesse, liguei a aparelhagem e pensei nesta função de duplo-narrador, caberia s mim interromper esta narrativa, esta revitalização de um mito grego, acabá-la assim sem nada, ou criar nós infinitos dentro dela e fazer também desta novela, um nó de acção, mas um nó de acção suicida, ir lá acima à pedreira e entregar o nó de enforcado para que Sisifo se mate.

Pensava nisto quando vi Dante aproximar-se ao longe na marginal do Douro, com um passo calmo e seguro, um gesto seguro e firme, acima de tudo seguro. Não trazia nada na mão esquerda nem nada na mão direita. Caminhou em direcção ao entulho de pedras e subiu, com a sua boina verde na cabeça. Tive medo que minha linha de redacçãoção – o nó – que pensei enquanto narrador duplo tivesse perdido todo o carácter criativo com o aparecimento de Dante que parava a meio do entulho para observar o Douro. Decidi narrar apenas o que via, e assim fica aqui o que vi: Dante aproximou-se de Sifiso ajudou-o a tirar uma das pedras que ele se preparava para por no chão.
Dante Disse: Meu filho, vamo-nos sentar em cima dessa pedra, não existem castigos tomados pelos deuses, porque não há deuses, tão pouco tu és um deus. Larga o teu trabalho e senta-te aqui comigo, vês li aquelas paredes que se dobram, dobram-se só por efeitos físicos e nem deus nem outra figura pode condenar ou dobrar, porque não existem. Talvez a estrela do norte nos indique, mas também ela muda de rota, tudo é movimento e transformação última e primeira. Não transportes mais pedras nem portas, pois esse trabalho é inútil, limita-te a receber o fundo de desemprego e escreve ensaios de critica literária que um dia hão de te ajudar a ti e à tua família. Acaba o teu chá verde com limão e come este eclair que te trouxe. Não existem mitos nem alegorias e nisto devemos estar de acordo, entra comigo neste café e continuamos a nossa conversa.

Não mais vi Dante nem Sisifo, apenas soube meses depois de um ensaio seu que apareceu no jornal de letras, com que conhecimentos Sisifo o publicou lá não sei, aqui fica ele:

Elementos de Modernidade líquida em "Ecrã" de Rober Diaz
O elemento virtual está presente em todo este texto e funde-se com o sensorial. O conceito de modernidade líquida, onde se diluem estilos, formas e conteúdos, está bem vivo e presente neste texto através duma dicotomia entre matéria e virtualidade, acentuada por uma linguagem forte e ausente de qualquer simbolismo. Em Rober Diaz o símbolo é o próprio objecto. Ele não deixa de aparecer, mas assume aqui elementos de hiper-realidade, de uma simbologia ao contrário em que as imagens valem pelo que são, (retirando assim qualquer força ao abstraccionismo e à interpretação).
São vários os elementos inovadores presentes em “Ecrã”. A força da imagem assume aqui proporções imensas em que o sensorial se funde ao virtual, como uma outra forma de sentir, uma forma estranha de sentir: “De ti quisiera música lijera / tocarte la garganta profunda / con mi lengua de pixeles”
O elemento luz / cor / sabor / textura / fundem-se obtendo-se uma unidade sensitiva discrepante em que os opostos são já a mesma coisa: la luz VS. la luz mia e luz CONTRA luz
A nível formal o texto é um campo de grande experimentação em que a pausa é suave e conseguida não só através da pontuação, mas também do uso da maiúscula realçando a força das imagens. A criação de palavras está presente, como o caso de “ FALSIFICACASENSACIÓN” ou o uso do travessão que reformula a palavra ódio, com a repetição / recriação do conceito que aqui é levado ao limite.
A imagem conseguida através da força do sublime continua em versos seguintes:
“Estupidez absorbente, /hambre de hoyo negro / trágame en una calda / suave y/ par-si-mo-nio-sa-men-te”. O contraste líquido e absorvente procura sempre a fusão entre vários elementos. O tema é social – A questão da arte e dos seus estilos, a catalogação: a modernidade é líquida, é instante e é mudança, não é preciso muito para a atingir:

abre los ojos/ es la modernidad
cierra los ojos/ es la pos-modernidad
háblale/ que ahí está la entidad metafísica
cállate/ que ahí está la plasticidad laica

Mais do que poema histórico, o poema é social e doce. “A impressão alia-se à sensação numa racional e inteligente linguagem de contras entre a grande velocidade e a paralisia, ou o movimento de ecrã lento, num jogo de escalas temporal mas também físico.

“Soy el ecrã SUPERSLOW”


“De ti quisiera danza & confusión
para activar los censores contra incendios,
delatarme como un televisor de bulbos
en esta alter-modernidad de fast- track”

O sujeito poético é aqui a mudança, não se acredita que seja um homem, embora só possa ser um homem (Alguém que se perde em colapsos nervosos no meio de um filme pornográfico) A imagem de alguém inserido na teia virtual (mundo da imaginação, do vazio, do que não há) é aqui potencializada.
É potenciada a forma do mundo virtual (o das trevas: o não-lugar) de uma era desconhecida em que a modernidade se assume flutuante e ambígua. Este texto não está assim arredado de elementos meta-literários.
O homem na sua impotência face ao ecrã, numa impotência radioactiva, impotência, impotência. O ecrã como lugar de recepção/ recolha passiva de representações – mas também lugar de criação onde o sujeito poético se perde, questionando as concepções de modernidade como um todo.




Ecrã
De ti quisiera música lijera
tocarte la garganta profunda
con mi lengua de pixeles
sentir las sustancias móviles
como la rabia
antes que su olor se pierda
entre tus gritos,


saber cual es el sabor
dulce o amargo
de tu visión sensacionalista

tú ojo

la luz VS. la luz mía
esplendor simultáneo

luz CONTRA luz

tú deslumbrante
comienzo, TÙ
hiel coagulada

FALSIFICACASENSACIÓN

que aparece
y se esfuma en una interferencia
de placeres
en una antena oxidada
mi yo irradiado

YO,
abarcado por tu señal:

odio, o-dio, o-di-o
te,
odio-te, o-dio- te, o-di-o-te,
¿ porqué nunca para tu queja?




Estupidez absorbente,
hambre de hoyo negro
trágame en una calda
suave y
par-si-mo-nio-sa-men-te



Hazme la noche,
en una operación binaria:


abre los ojos/ es la modernidad
cierra los ojos/ es la pos-modernidad
háblale/ que ahí está la entidad metafísica
cállate/ que ahí está la plasticidad laica

hazme sentir
el carbono 14
que vive de historias
mal contadas


De ti quisiera danza & confusión
para activar los censores contra incendios,
delatarme como un televisor de bulbos
en esta alter-modernidad de fast- track

Soy el ecrã SUPER SLOW

Acércate a la pantalla
ve
los rastros más insignificantes
de mi catástrofe
multimedia
en horario estelar,

los más pequeños detalles
de mi colapso
cibernético
en un canal pornográfico,

las huellas más imperceptibles
de mi crisis
nerval…


Rober Diaz

Sísifo