sábado, 27 de setembro de 2008

A Fome da primeira Loba

I.

A menina sem braços tenta alterar a ordem das coisas,
A menina sem braços, ela
Só ela, claro, consegue alterar a ordem das coisas, Ela
Só ela claro,
a menina é loba e tem leite e fertilidade
Como só as grandes lobas, tem realmente Poder
A menina não é Deus
A menina tem mais sangue e é mais coisa …


II.

Não é real o menino com fome
Não é real o dragão
Não é real o tiro na boca
Não é real
A lama a entrar na veia
Não é real,
Não é real,

Não é real…


III.



É urgente acabar com todas as guerras, porque há mais guerras em espera que só podem começar quando estas tiverem acabado. E as nossas metralhadoras, a quem as podemos vender senão aos nossos inimigos e aos filhos deles? Para que ao menos eles tenham qualquer coisa com que nos atacar, não somos assim tão cruéis. Damos-lhes as pedras com que nos atiram à cara.


IV.

Onde há ursos polares há repórteres a fotografarem ursos polares
Ou a comerem ursos polares,
Onde há petróleo há xerifes de turbante a injectar leite condensado directamente no osso …


O pasteleiro bate a massa e isso é natural
O vidreiro esculpe o vidro e isso é natural…


V.

Que se foda todo o simbolismo,
Aqui temos pessoas a sério de carne e osso
Físicas e não simbólicas
Pasteleiros, montadores de andaimes, condutores de gruas, exorcistas,
Todos pagam o IRS a tempo,
Todos choram ao fim do dia, em frente aos crucifixos invisíveis do pensamento

Todos vêm os jogos do Chelsea!



Os pasteleiros amassam a massa e acreditam na vida além da morte.
Os vidreiros esculpem o vido e acreditam na vida além da morte.




Os vidreiros sopram a cerâmica, a platina, o gesso
As gaivotas e os albatrozes ficam com as patas presas no petróleo e isso é natural. Às vezes uma borboleta é atingida involuntariamente por um esguicho de urina e as suas asinhas não conseguem mais bater. Uma dolorosa morte que de tão natural e pacífica ultrapassa todas as melhores visões do Universo… O assassino da natureza entra depois no seu carro e segue o seu caminho…





VI.

Pelas costas frias de mármore sobe um caracol …
RIP
Indiferente à vida e à morte
pelas asas de mármore de um anjo-menino

Costas de mármore,
Esculpida.
Cimentar, fortalecer uma relação.

………………………….

Construir laços, de quê?

Mudar os gestos
mudou
foi,
A lâmpada partiu-se mas contínua acesa…



Nuno Brito - 2008

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