quarta-feira, 26 de maio de 2010

Kant

Vieram de longe para ver Santa Teresa de Ávila a espumar petróleo, óleo sobre tela, de grandes dimensões pintado pelo DJ Kant, o mesmo que Julian Artl considerava o único crítico literário digno do nosso século febril: O mesmo que era incapaz de ler um livro porque os seus dedos lhe tremiam e porque estava sempre com um cigarro na mão (não podia folhear). Contavam-lhe histórias. Da exposição fazia parte também um conjunto de retábulos que Kant pintou para a sua primeira exposição nos arredores de Berlim: “Uma Sagrada Família com o reactor de Chernobyl ao fundo”, ao lado de Uma imagem de Cristo e São João Baptista na Segurança Social”, E uma de “Soror Inês de La Cruz a ser possuída analmente por um cavalo”. O último painel era uma Última Ceia, num jardim, os apóstolos sentados por baixo dos guarda-sóis comiam lírios, que estavam nos pratos e nas travessas: Pedro comia um lírio, Simão comia um lírio, Judas e Paulo também comiam lírios e Jesus descascava a parte branca enquanto trincava a parte laranja, de uma forma que alguns críticos acharam obscena e outros críticos acharam extremamente sensual. A exposição foi bem acolhida pelas revistas de crítica de Arte e ao contrário do que se esperava, passou praticamente desatenta às críticas das Associações católicas. O prior de uma Igreja de Roma comprou os retábulos, para possuir pinturas sagradas de novos valores emergentes da pintura contemporânea.

Artl era um dos convidados para a exposição, escreveu-me depois de Berlim, falando de cada um dos quadros e da admiração que nutria por Kant. Disse-me que Kant o aconselhou a nunca mais escrever, enquanto não conhecesse a fundo a natureza humana. Artl disse-me que ia seguir o conselho: Perguntou-me se seria possível enviar-me por mail o catálogo com as imagens de Kant, e se havia alguma hipótese das imagens serem scanizadas em folha de gelatina. Eu disse-lhe que o cão já estava morto, ou quase morto, porque há muito tempo que não se levantava do tapete, tinha apenas espasmos de vez em quando, nos primeiros dias: Agora nem isso:

Está morto com estômago recheado com os seus últimos contos.


Nuno Brito

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