segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

David Foster Wallace


A Rapariga de Cabelos Estranhos – 1989
David Foster Wallace



Trata-se de um livro de contos. Dez no total. Neste ensaio, serão analisados dois dos mais representativos: “Pequenos animais sem expressão” e “A Rapariga de cabelos estranhos” Conto que dá o novo ao livro.

Pequenos animais sem expressão



“Pequenos animais sem expressão” trata de uma rapariga Julie, personagem principal, irmã de um rapaz autista. São filhos de um casal conturbado. O pai sai de casa e a mãe é uma pessoa visivelmente perturbada, incapaz de prover à educação dos filhos. A educação do rapaz, carente de cuidados especiais é feita por Julie, ainda muito nova. A mãe está ausente. Julie passa a infância sozinha com o rapaz, no mesmo quarto com o mesmo livro. Os amantes que se aproximam da mãe e frequentam a casa, rapidamente se intimidam com a presença do rapaz autista. Julie e o irmão são abandonados pela mãe, em estado de grande fragilidade. O rapaz é internado numa clínica com o auxílio de alguns familiares. Julie faz todo o tipo de trabalhos para sobreviver. Desde pequena que passava a vida a ler obras de carácter geral sobre diversas curiosidades, vida animal, geografia, ciência. Obras para a infância. Julie concorre a um concurso de televisão, baseado em perguntas de cultura geral. Como vence o primeiro, vai no seguinte e volta a vencer. Vence sempre e por isso torna-se popular no mundo da televisão americana. Acerta em todas as perguntas. Entra aqui a capacidade fortemente imagética de David Foster Wallace, cujos cenários de muitos dos seus contos e novelas é o mundo dos bastidores da televisão, sobretudo das grandes produções da televisão americana. Noutros contos deste livro é abordada a questão dos talk shows. Foster Wallace aborda o fenómeno televisivo como uma realidade paralela, construída, mas recheada de caminhos escuros, entre eles a exposição da vida privada, levada ao limite. O oposto entre estes dois mundos é muito bem explorado neste conto. Uma das técnicas de som, Faye, do programa de televisão apaixona-se por Julie e as duas começam a namorar. A técnica de som procura sempre desculpas para o amor lésbico, Julie não procura desculpas. O apresentador do concurso, Alex, figura pública da televisão americana, frequenta um psicanalista, está inconscientemente apaixonado por Julie. Um dos métodos de terapia é a livre associação de palavras. E é neste exercício, que David Foster Wallace se esvai de forma absoluta, o conto possuí muitas livres associações de palavras, sobretudo por parte do apresentador, que vão desde o aforismo a frases de uma intensíssima carga erótica e sensorial. O irmão de Julie vai também um dia ao concurso e acerta em todas as perguntas sobre animais. Julie e o irmão tornam-se populares estrelas de televisão, com a perenidade que isso envolve. Mas as suas relações humanas privadas são exploradas por Foster Wallace até ao cúmulo da emoção. As descrições dos sonhos de Alex são relatos absolutamente geniais.

A rapariga de cabelos estranhos

Este conto é um relato na primeira pessoa de um advogado de uma grande empresa e do seu grupo de amigos punk. Todos vão a um concerto de música clássica, e é durante o concerto que se passa toda a acção deste relato. David Foster Wallace retrata uma sociedade de extrema, colocando-se na pessoa (voz, narrador principal) dos estereótipos que mais detesta. A personagem principal considera-se a si própria bonita (orelhas bonitos, cabelo perfeito). Diz para si próprio ser um homem de sucesso com muitos bons amigos. Durante o concerto conhece outros dois rapazes punk que os amigos lhe apresentam. Todos tomam LSD, menos ele. Antes do intervalo sai um pouco para o hall da sala de espectáculos com outro dos seus novos amigos e este pergunta-lhe como é que ele consegue ser tão feliz. E Diz – Se me explicares de onde provém a tua felicidade natural deixo-te ejacular para cima de mim e da minha namorada. Ele foge à pergunta, fala muito, três páginas mas fugindo à questão da facilidade. Acaba por dizer – Não respondi à tua pergunta, mas se te der 10.000 dólares deixas-me ir com a tua namorada. O relato é quase sobrenatural, completamente magnetizado pela presença no concerto de uma rapariga de cabelos muitos estranhos (a descrição não é feita) É apenas referido que são estranhos e isso contagia o grupo dos amigos a quem o LSD bateu forte.

David Foster Wallace consegue levar as descrições ao extremo, as descrições roçam a alucinação e em tudo provocam estados alterados. Falamos de alguém que percebe como ninguém o que é hiper realidade e a leva ao limite. Todos os contos parecem um riso interno e condensado, um Concentrar muito grande de emoções – Não só a partir das descrições extremamente sensoriais, mas também das elipses inteligentes.
Estamos perante alguém de um sensibilidade profunda.

Nuno Brito

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