segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Delírio Húngaro

I.

Tal como a Morfina, tiro a dor ao homem
Quem me olha nos olhos nunca mais será livre
Sou a mulher mais bela de todas as mitologias
Sou o paraíso em vida – o mais perigoso de todos,

Sou loucura criadora
Patrícia, a Irmã de Deus
Os meus filhos são todas as coisas,
Todas as possibilidades minhas filhas


Induzo os mais complexos suicídios,
Dou a vida e tiro a vida e não acho isso bem nem mal porque sou uma flor e as flores não julgam – são indiferentes e tristes
Aconselho os românticos alemães a pegarem nas suas espingardas e a lutarem por causas inúteis
Meto-lhes pólvora nas armas,
Provoco-lhes os Maiores prazeres


Sou feita de carne e não de luz –
Sou Nossa Senhora do Pólo Norte
a ver o sol derreter-se
e pingar sobre o gelo:


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II.

Sou o sonho de um camelo deficiente
O delírio das gémeas siameses
O pesadelo de quatro girafas recém nascidas
A paralisia é o contrário de Deus
- dizias
Por baixo das minhas saias, afago-te a cabeça -
Sou as cinzas de um ditador a voar no bico de um corvo
todos os vendedores de marmelada na fronteira do Iraque
Por baixo das minhas saias - torna-se bem evidente que te amo


………………………………


III.

Sou a possibilidade –
Na minha boca os bois lavram os campos,
Deixam as marcas carolinas das suas patas
O arado escreve na minha língua uma rima de Petrarca
Em letra carolina da mais perfeita caligrafia
Mi fluorescente métrica nova
La porole ideal,
As fadas papistas de tule
Lambuzam-se de geleia e compotas
Sonhos: os mais doces, por exemplo
África partiu-se ao meio
Na minha boca África inteira
Na minha boca os bois lavram os campos
Link, link, link, link


IV.

O medo de ficar sozinha, com a deusa da fertilidade a roer-me o
Útero
Os desejos mais fundos – de um operador de gruas
A boca cheia de neve
Os cabelos a arder ao som da música – ruivos – os phones !
As nuvens do sonho são menos bonitas
Flocos de neve em Bruxelas, os anjos aquecem-se



Percorro todos os dias uma auto estrada de prata que vai
Até ao centro da tua alma
O prazer está em cada átomo
Em cada átomo – o universo


Os pasteleiros batem a massa em toda a Hungria
na Alta Hungria
E na Baixa Hungria
Amanhã os meninos húngaros, os mais gulosos -
os pasteleiros húngaros, os mais tristes
Olha para mim nos olhos
tenho os olhos tristes, dizias:
Os mais tristes de todos


Violeta de Gand, 19-10 -2008
Nuno Brito 2008

1 comentário:

João Henrique Alvim disse...

a tua poesia tem uma marca original por revelar a possibilidade - por mais ínfima que seja - de todas as coisas e pessoas terem um lado ridículo, burlesco e metafórico.

Este poema continua com a tua marca bem humorada de desconstrução e reinvenção da realidade.

:)

um Abraço