domingo, 23 de janeiro de 2011

Alegoria de Sisifo

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Estava sentado no cimo do monte de entulho e pedras, e atirou uma das maiores lá para baixo, ouviu-a e viu-a rebolar, esse som repetia-se desde o tempo da condenação. Uma marca de leite condensado pode criar um mito e no mito e nos dedos criarem-se cortes por um mau processo de enlatamento, as máquinas andam depressa, os mitos andam depressa de mais e afogam-nos, pensava nisto ao mesmo tempo que São Bento, o patrono da velha Europa, a racionar o pão, o vinho e o queijo para cada monge, a racionar a hora de deitar, de pensar, de meditar, de orar, de ouvir os sinos, de dobrarem literalmente os sinos, o tempo de banho, a água que se gasta em cada banho, não pode ser quente porque isso aliena o monge. Tudo pensado para para cada monge europeu, seguidor da regra como nós: Sisifo com os seus calções curtos e uma camisola dos ultra Ribeira, a soar há tantos séculos em cima do entulho. Desde que em Maio de 2020 todo o bairro dos Guindais foi demolido para serem criados miradouros, restaurantes, bares e jardins. Sisifo estava no cimo do entulho que era o antigo bairro, mas o tribunal declarou que não fosse criado o espaço cultural dos guindais enquanto Sisifo não tivesse cumprido a sua pena eterna, aos eternos filhos de Deus, o Parlamento Europeu e alguns estados americanos atribuíam a pena eterna com trabalho, algum trabalho que o juiz lia num livro de mitos, a justiça dava as mãos à mitologia, no mesmo sítio onde antes era o Palácio das sereias e se colocava no alto do porto de Leixões grandes bandeiras negras, alertando que um semi-deus estava na cidade e que as pessoas não podiam acorrer a ela: o mesmo era feito nos aeroportos
Sisifo fumou um cigarro e desceu toda a escadaria, a rocha tinha batido na ponte, Sisifo subia com elas às costas, assim o condenaram os deuses, subir com rochas até ao cimo, depois elas tombarem num movimento perpétuo e num ciclo eterno Sisifo subir com as pedras outra vez até ao cimo. Do seu cabelo e cara pingava suor. Estava muito sol. Passaram uns turustas japoneses que fotografaram o semi-deus a subir com a rocha às costas; captarem o9s eczemas nas costas, os músculos sobre tanta tensão e arranhados.

Os turistas passaram, e foi aqui que o escritor que escrevia este conto, saiu do quarto e me disse para eu guiar o texto da forma que me apetecesse, liguei a aparelhagem e pensei nesta função de duplo-narrador, caberia s mim interromper esta narrativa, esta revitalização de um mito grego, acabá-la assim sem nada, ou criar nós infinitos dentro dela e fazer também desta novela, um nó de acção, mas um nó de acção suicida, ir lá acima à pedreira e entregar o nó de enforcado para que Sisifo se mate.

Pensava nisto quando vi Dante aproximar-se ao longe na marginal do Douro, com um passo calmo e seguro, um gesto seguro e firme, acima de tudo seguro. Não trazia nada na mão esquerda nem nada na mão direita. Caminhou em direcção ao entulho de pedras e subiu, com a sua boina verde na cabeça. Tive medo que minha linha de redacçãoção – o nó – que pensei enquanto narrador duplo tivesse perdido todo o carácter criativo com o aparecimento de Dante que parava a meio do entulho para observar o Douro. Decidi narrar apenas o que via, e assim fica aqui o que vi: Dante aproximou-se de Sifiso ajudou-o a tirar uma das pedras que ele se preparava para por no chão.
Dante Disse: Meu filho, vamo-nos sentar em cima dessa pedra, não existem castigos tomados pelos deuses, porque não há deuses, tão pouco tu és um deus. Larga o teu trabalho e senta-te aqui comigo, vês li aquelas paredes que se dobram, dobram-se só por efeitos físicos e nem deus nem outra figura pode condenar ou dobrar, porque não existem. Talvez a estrela do norte nos indique, mas também ela muda de rota, tudo é movimento e transformação última e primeira. Não transportes mais pedras nem portas, pois esse trabalho é inútil, limita-te a receber o fundo de desemprego e escreve ensaios de critica literária que um dia hão de te ajudar a ti e à tua família. Acaba o teu chá verde com limão e come este eclair que te trouxe. Não existem mitos nem alegorias e nisto devemos estar de acordo, entra comigo neste café e continuamos a nossa conversa.

Não mais vi Dante nem Sisifo, apenas soube meses depois de um ensaio seu que apareceu no jornal de letras, com que conhecimentos Sisifo o publicou lá não sei, aqui fica ele:

Elementos de Modernidade líquida em "Ecrã" de Rober Diaz
O elemento virtual está presente em todo este texto e funde-se com o sensorial. O conceito de modernidade líquida, onde se diluem estilos, formas e conteúdos, está bem vivo e presente neste texto através duma dicotomia entre matéria e virtualidade, acentuada por uma linguagem forte e ausente de qualquer simbolismo. Em Rober Diaz o símbolo é o próprio objecto. Ele não deixa de aparecer, mas assume aqui elementos de hiper-realidade, de uma simbologia ao contrário em que as imagens valem pelo que são, (retirando assim qualquer força ao abstraccionismo e à interpretação).
São vários os elementos inovadores presentes em “Ecrã”. A força da imagem assume aqui proporções imensas em que o sensorial se funde ao virtual, como uma outra forma de sentir, uma forma estranha de sentir: “De ti quisiera música lijera / tocarte la garganta profunda / con mi lengua de pixeles”
O elemento luz / cor / sabor / textura / fundem-se obtendo-se uma unidade sensitiva discrepante em que os opostos são já a mesma coisa: la luz VS. la luz mia e luz CONTRA luz
A nível formal o texto é um campo de grande experimentação em que a pausa é suave e conseguida não só através da pontuação, mas também do uso da maiúscula realçando a força das imagens. A criação de palavras está presente, como o caso de “ FALSIFICACASENSACIÓN” ou o uso do travessão que reformula a palavra ódio, com a repetição / recriação do conceito que aqui é levado ao limite.
A imagem conseguida através da força do sublime continua em versos seguintes:
“Estupidez absorbente, /hambre de hoyo negro / trágame en una calda / suave y/ par-si-mo-nio-sa-men-te”. O contraste líquido e absorvente procura sempre a fusão entre vários elementos. O tema é social – A questão da arte e dos seus estilos, a catalogação: a modernidade é líquida, é instante e é mudança, não é preciso muito para a atingir:

abre los ojos/ es la modernidad
cierra los ojos/ es la pos-modernidad
háblale/ que ahí está la entidad metafísica
cállate/ que ahí está la plasticidad laica

Mais do que poema histórico, o poema é social e doce. “A impressão alia-se à sensação numa racional e inteligente linguagem de contras entre a grande velocidade e a paralisia, ou o movimento de ecrã lento, num jogo de escalas temporal mas também físico.

“Soy el ecrã SUPERSLOW”


“De ti quisiera danza & confusión
para activar los censores contra incendios,
delatarme como un televisor de bulbos
en esta alter-modernidad de fast- track”

O sujeito poético é aqui a mudança, não se acredita que seja um homem, embora só possa ser um homem (Alguém que se perde em colapsos nervosos no meio de um filme pornográfico) A imagem de alguém inserido na teia virtual (mundo da imaginação, do vazio, do que não há) é aqui potencializada.
É potenciada a forma do mundo virtual (o das trevas: o não-lugar) de uma era desconhecida em que a modernidade se assume flutuante e ambígua. Este texto não está assim arredado de elementos meta-literários.
O homem na sua impotência face ao ecrã, numa impotência radioactiva, impotência, impotência. O ecrã como lugar de recepção/ recolha passiva de representações – mas também lugar de criação onde o sujeito poético se perde, questionando as concepções de modernidade como um todo.




Ecrã
De ti quisiera música lijera
tocarte la garganta profunda
con mi lengua de pixeles
sentir las sustancias móviles
como la rabia
antes que su olor se pierda
entre tus gritos,


saber cual es el sabor
dulce o amargo
de tu visión sensacionalista

tú ojo

la luz VS. la luz mía
esplendor simultáneo

luz CONTRA luz

tú deslumbrante
comienzo, TÙ
hiel coagulada

FALSIFICACASENSACIÓN

que aparece
y se esfuma en una interferencia
de placeres
en una antena oxidada
mi yo irradiado

YO,
abarcado por tu señal:

odio, o-dio, o-di-o
te,
odio-te, o-dio- te, o-di-o-te,
¿ porqué nunca para tu queja?




Estupidez absorbente,
hambre de hoyo negro
trágame en una calda
suave y
par-si-mo-nio-sa-men-te



Hazme la noche,
en una operación binaria:


abre los ojos/ es la modernidad
cierra los ojos/ es la pos-modernidad
háblale/ que ahí está la entidad metafísica
cállate/ que ahí está la plasticidad laica

hazme sentir
el carbono 14
que vive de historias
mal contadas


De ti quisiera danza & confusión
para activar los censores contra incendios,
delatarme como un televisor de bulbos
en esta alter-modernidad de fast- track

Soy el ecrã SUPER SLOW

Acércate a la pantalla
ve
los rastros más insignificantes
de mi catástrofe
multimedia
en horario estelar,

los más pequeños detalles
de mi colapso
cibernético
en un canal pornográfico,

las huellas más imperceptibles
de mi crisis
nerval…


Rober Diaz

Sísifo

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Elegia Nuclear

Elegia Nuclear



Os teus olhos são um duplo-poço onde mergulho e nado,
tal como o sol afundo-me neles, nasci antes da criação da rede,
quando os vários faxes das redacções dos jornais europeus emitiam um ´
barulho ancestral para comunicar a explosão de um reactor, o sol mergulha nos teus olhos, a terra quente aquece os teus pés, perco-me em ti,
nos teus olhos que vejo de uma perspectiva múltipla, irmã da memória e da sedução,
ver tudo ter fome de ver, virar páginas com força, o vento? O bater de uma porta? Os homens por trás dela. Atiraste os dados e saiu a vida, e atiraste os dados e saiu a Vida: Adoro-te, o mesmo pode ser dito em outros dialectos, em outras linguagens, no som dos golfinhos, no acasalamento das baleias, nos sons submarinos de um Mahler que procura uma ametista – Mahler está no céu, Papini está no céu, Bataille está no céu, seja ele bem fundo ou bem elevado, a obra perdura, não se podem apagar as riscas, a melhor forma de conservar um passado indesejado fora do alcance, é criar um passado com riscas mais claras, nada se apaga, tudo se reconstrói, cria, traça, fala por cima, e isto já foi dito – o miliagre não é uma laranja ser redonda, o milagre é as laranjas já serem esféricas, um paralítico, escorre-lhe azeite negro pelos beiços volta a cair no prato ou na babete, ou nas bordas das paredes do Universo, várias cores, resta-me a sinceridade e a saliva de todo o mundo, tenho sede de uma perspectiva múltipla, beijo-te o colo, os braços, as ancas, duas línguas entrelaçadas desde o fim da Etrúria, um abraço pré-hispânico em tudo moderno e contemporâneo da tempestade, repito-me, salto de textos para outros, escrevi sempre um mesmo texto, porque escolhes sempre motivos tão obsessivos, estrela contra estrela – na auto-estrada. Os braços apertados num abraço quente, a febre siamesa dos que aquecem, os braços entrelaçados num abraço quente, tudo o que aquece e acende, é múltiplo esse aquecer, mergulho e nada no duplo-poço, tal como Milton amo tudo quanto fluí e tenho pressa muita pressa de dizer tudo, de ficar com o palato preso numa única sílaba DAP DAH DAP DAH – Atravesso-te a bruços o peito, as ancas, a nuca, lambo-te as orelhas, e apareceu o Fernando Chinês, quer comprar haxixe, o Fernando Chinês com os seus olhitos em bico: Fomos de táxi ao Aleixo e na cave escura cheia de seringas no chão sentimo-nos como se tivéssemos inalado a Austrália toda, uma Austrália fluida e volátil, com um espelho no seu centro a reflectir cangurus e deserto vermelho para todas as direcções, a cada aspiração parecia que fumávamos não só um continente, mas a febre de todas as siamesas, os sonhos de todos os sósias, os cangurus dentro dos pulmões de vidro, os cangurus a reescreverem a história, expirámos, sentimos todos os nervos seguros, ele lê-me as cartas, diz-me que como escritor sou repetitivo e obsessivo. Tenho muitas imagens como a câmara escura, absorvo a luz do sol para tirar uma imagem perfeita, como se de uma grande angular, o acelarador de partículas está no meu pulso esquerdo, no meu pulso direito a tempestade, conto o minutos pelo tempo que o soro demora a entrar, um litro inteiro nas veias, tempo <á deriva, tempo que se inscreve em aulas de dança de salão, com muitos braços, ele dança bem, duma ponta à outra da Austrália, há um duplo túnel que se bifurca várias vezes, nesses nós encontram-se homens que consertam relógios e meninos que tocam carrilhões suíços, no metro as pessoas passam depressa, os carrilhões continuam a tocar, um ou outro anjo passa também, com os seus dentes cariados à procura de uma sensação de um todo. Aqueço-me à escala humana, a mais perigosa e maior, deserto líquido a entrar por ti dentro

sábado, 30 de outubro de 2010

Miguel de Unamuno: Névoa

Miguel de Unamuno disse sobre “Dom Quixote de la Mancha” que as duas personagens fulcrais, Dom Quixote e o seu escudeiro Sancho eram mais reais que o próprio Cervantes; com esta afirmação pode-se perceber tudo o que está implícito em “Névoa”: a novela tem trinta e três capítulos e um anexo final “Oração fúnebre em forma de epílogo”, para além disso dispõe de um prólogo, um pós-prólogo e um “prólogo à terceira edição, ou seja, a história de Névoa”: a novela é assim nada mais do que um pós-prólogo de Miguel de Unamuno, como autor da obra.
Logo no primeiro capítulo, Augusto, homem solteiro que vive dos seus rendimentos e a personagem principal da novela, sai de casa sem uma direcção definida. Logo vê passar uma mulher muito atraente, segue-a, repara que os seus olhos são muito sexys e cheios de vida; Segue-a até casa. Afasta-se um pouco e mal esta entra, mete conversa com a criada que está à porta, dá-lhe algum dinheiro em troca de informações, logo fica a saber que ela se chama Eugénia e é professora de piano. Nos dias seguintes volta a segui-la com a mesma obsessão. Uma das vezes em que passa pela sua casa, vê que de uma das varandas cai uma gaiola com um periquito, apanha a gaiola, não perdendo a oportunidade de poder entrar assim em casa de Eugénia; é recebido pela tia de Eugénia que logo lhe agradece muito e convida-o a entrar para a sala, logo aparece Eugénia, a tia apresenta-o como o salvador do periquito, mas ela trata-o com desinteresse e desprezo. Logo sai. O desprezo de Eugénia acende em Augusto um desejo ainda maior. Considera que até aí viveu numa névoa, e os olhos dela tinham-no despertado para o mundo. Acende-se nele uma enorme vontade de viver e de se aproximar de Eugénia. Escreve-lhe um bilhete que entrega à governanta. Fica a saber que ela tem um noivo o que o desanima mas não o faz baixar os braços: Apresenta-se novamente em sua casa onde é bem acolhido pelos seus tios. A tia intercede junto de Eugénia a favor de Augusto. Alertando-a para o desemprego de Maurício, o seu noivo, que considera mandrião e alertando-a para as boas qualidades de Augusto. Este percebe pelas conversas com a tia de Eugénia que esta tem uma casa hipotecada por dividas familiares, e que para recuperar a hipoteca tem de dar lições de piano embora não goste minimamente de música.
Augusto liquida a divida e refere isso aos tios. A casa deixa de estar hipotecada. Eugénia em vez de ficar contente, dirige-se a casa de Augusto insultando-o e tratando-o com desprezo, afirmando que este a queria comprar com a liquidação da dívida e que isso era uma forma baixa de conquistar uma mulher. Volta para junto de Maurício e convence-o a arranjar emprego para que se possam casar o mais cedo possível. Não aceita a oferta de Augusto e trata-o com desprezo. Mas a incapacidade de estar com Eugénia desperta os seus impulsos e desejos em relação ao sexo oposto, até aí adormecidos. Refere a Victor, o seu melhor amigo, que desde que vira Eugénia todas as mulheres lhe parecem belas. Aqui Unamuno influencia-se verdadeiramente por Dom Quixote e o seu estado de paixão por Dulcinea. Nota-se em “Névoa” que a influência de Cervantes é bem visível em Unamuno, admirador extremo da obra e vida cervantina. Augusto que até aí vivia numa névoa com os desejos amorosos inibidos e auto-reprimidos, logo se sente atraído pela engomadeira de sua casa, Rosário, a quem tenta convencer a fazer uma viagem. Rosário também se apaixona. Eis que surge o eixo central da novela, extremamente bem arquitectada por Unamuno. Eugénia procura Augusto, dizendo-lhe que tudo tinha sido um erro, aceitava a oferta gentil que ele lhe tinha feito e que gostaria de casar com ele, mantendo sempre o respeito. Seria um casamento por conveniência e isso é dito logo a Augusto, isto não o inibe de aceitar o pedido. Augusto passa a visitá-la com mais frequência ansioso pelo casamento. Eugénia sugere-lhe que com as suas influências arranje um emprego para Maurício, mas um emprego bem longe, para ele não os voltar a encomendar. Augusto consegue um trabalho para ele, bem longe na província. Logo é recebido por ele, que agradece a Augusto a oferta generosa de um posto de trabalho. Deseja boa sorte ao futuro casal, e diz que se apaixonou por Rosário, que vai viver com ela no campo. Augusto desabafa com o seu amigo Vítor, e as conversas com Vítor são o eixo central da novela, a espinha dorsal de toda a construção do texto.
Augusto recebe poucos dias depois uma carta de Eugénia, a dizer que tinha ido para o campo viver com Maurício, acabando a carta desejando-lhe boa sorte, agradecendo o emprego de Maurício e dizendo que Rosário voltaria para a cidade. A partir daqui todo o mundo de Augusto desaba. Vai ter com Vítor, que acaba de ser pai tardiamente e começara a escrever uma novela. O diálogo que aí tem com Vítor é de uma profundidade humana enorme, vários temas filosóficos são invocados por Unamuno e são referidos pelos dois amigos numa conversa corrosiva e cheia de sarcasmo. Vítor diz-lhe: “Serás apenas um mero espectáculo de ti mesmo” . Tudo isto se passa no capítulo 30, parte do texto em que Unamuno mais leva ao extremo a metafísica de Victor e a intensidade do diáologo – “É a comédia Augusto, é a comédia que representamos diante de nós próprios, o que se chama o foro interno, fazendo ao mesmo tempo de cómicos e de espectadores. E no palco da dor representamos a dor e parece-nos um descontrolo que de repente sintamos vontade de rir. E é quando mais sentimos vontade disso. A dor é uma comédia, uma comédia!” . Os comentários de Vítor são inteligentes e perspicazes, mas azedos para Augusto já muito fragilizado que pergunta: “E se a comédia da dor leva alguém a suicidar-se?”: Pergunta Augusto, “É a comédia do suicídio”refere o amigo agravando o estado de desespero de Augusto. Unamuno tinha já feito ensaios de filosofia e psicologia sobre o tema do suicídio e aproveita em “Névoa” por explorar o tema através da ficção. É neste capítulo que de uma forma subtil e inteligente Victor aconselha o suicídio ao amigo, é neste capítulo que o espírito mais corrosivo da alma humana é explorado de forma inteligentíssima por Unamuno; Augusto sente-se desesperado, no fundo do poço. O Amigo diz-lhe: “Devora-te” já antes tinha dito “ A tua única saída é devorares-te a ti mesmo”, “Queres dizer que me suicide? – Nisso não me quero eu meter, adeus”: Assim Victor despede-se e assim termina o capítulo 30. No capítulo seguinte, Augusto decidido a praticar o suicídio pretende falar com Miguel de Unamuno, é aqui que o autor de “Névoa” entra também como personagem decisiva da sua própria novela. Augusto conhecendo os ensaios de Unamuno sobre o suicídio decide ir até Salamanca encontra-se com o autor que lhe deu vida como personagem: É recebido por este no seu escritório-biblioteca. Aí tenta aconselhar-se perante um dos grandes estudiosos do suicídio até à época, Unamuno diz-lhe que conhece bem a sua vida, porque foi ele quem a criou. Refere que Augusto não passa de uma mera personagem da sua novela. Augusto fica incomodado e diz que mesmo assim, não existindo como pessoa, mas sim como personagem se vai suicidar, mas Unamuno diz não lhe conceder o suicídio, como criador pode fazer da sua personagem tudo aquilo que quiser e não lhe apetece que a sua personagem Augusto, se suicide. Augusto não aceita o capricho do seu criador, e volta-se contra ele. Se não me dás o suicídio, eu mato-te. Unamuno alerta-o para o facto de este não o poder matar e reduz Augusto à sua insignificância de personagem, alguém que não vive por isso também não pode morrer, muito menos matar. Unamuno diz que lhe vai conceder a morte mas de uma outra forma, vai morrer assim que chegar a casa, vai escrever e isso acontecerá. O espírito de Unamuno é aqui extremamente aguçado e todo o capítulo está repleto de referências filosóficas sobre a existência. Augusto não existe, Unamuno não existe – estão perdidos numa névoa. Augusto volta para casa, no comboio reflecte sobre a sua vida como personagem. Chegando a casa é acolhido pelos seus criados que o vêm branco, extremamente pálido, Augusto pede que lhe sirvam a ceia e come, come desesperadamente “como logo existo”pensa para si, não se conformando com a sua existência como mera personagem. Alguém que se queria suicidar e que assim que Uniamuno diz que o vai matar, apenas deseja viver “quero viver viver viver” Diz para Unamuno, o seu criador. Aqui o novelo tecido por Unamuno sobre o suicídio como fenómeno é brilhante – alguém que ainda há pouco queria morrer, quando sabe que isso vai acontecer, desiste e apenas quer viver – É de uma perspicácia enorme e muito nítida a reflexão que Unamuno faz sobre o desejo do suicido. Personagem e criador encontram-se, recheando no seu diálogo todo o capítulo 31 de um nível dramático delirante. Augusto morre em sua casa, talvez por comer compulsivamente pressentido a morte: “A morte do meu amo foi um suicídio, apenas um suicídio” diz o criado depois de ver o corpo morto de Augusto.
Aqui regressamos ao início, Unamuno considera Dom Quixote e Sancho Pança mais reais do que Cervantes, e em névoa cobre a narrativa de uma extrema discussão filosófica e de paradoxos: sobre existência/inexistência; Vida/Morte; Vígilia/Sono; Real/Irreal. Com uma inteligência acima do seu tempo e uma criatividade aguçada Unamuno alicerça no trama da sua névoa, toda a sua filosofia.
A tensão é evidente em toda a novela; Victor, o amigo confidente de Augusto, é quem escreve o prólogo à obra. Há assim uma confidência notória entre Unamuno e uma personagem da novela – Unamuno pede a uma das personagens da ficção que escreva o prólogo da obra, e aquilo que Unamuno relata é um pós-prólogo – Toda esta ligação entre sonho e realidade – Vida e ficção é arquitectada por Unamuno de forma a que Névoa deiche muitas portas em aberto a futuras interpretações: Névoa é uma novela mas também um pós-prólogo onde ficção e realidade se mistura; Unamuno como narrador e escritor é também personagem, personagem confidente de Vítor que aconselha o suicido a Augusto. Não deixa de ser sublime que assim se atinja um efeito de ficção suprema, ficção levada ao limite, às bordas da realidade. O que é névoa? O que é desejo? O que é realidade e o que é sonho? O efeito meta-literário está bem patente na parte final em que Augusto discute com o seu criador qual é o seu papel na vida ou na novela. Vítor diz a Augusto que está a escrever um romance, e depois explica-se melhor, não é um romance nem uma novela, é uma “nivola”, face à curiosidade de Augusto em saber o que é uma “nivola”, Vítor explica que é um texto narrativo em que as personagens ganham vida, um texto em que abundam os diálogos e se discute tudo até tudo não ser nada. É este o efeito que “Névoa” dá, a construção de um texto dentro de outro texto, fenómeno que mais tarde inspiraria em muito autores como Borges ou Enrique-Vila Matas. Névoa lança os alicerces de uma ficção nova, uma ficção que se interroga enquanto tal, reinventando e revitalizando todo o papel da narrativa. Névoa é um exercício de uma habilidade/coerência/ perspicácia narrativa enorme e nele Unamuno leva o exercício ao limite do seu próprio estilo.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ode que ferve

Ode que ferve
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Vários comboios se descarrilam dentro do meu peito, várzea
à noite com muitos pirilampos acesos:
fervem e cruzam-se todas as linhas -
uma pirâmide de olhares cruzados em fogo,
muitas rotundas, auto-estradas, viadutos,
linhas de metro, passa estridente um comboio a alta velocidade, bebo toda a cidade
e caio rotundo para o chão -
sinto o suor de todos, o doce espasmo de uma jovem etrusca e todo o
Sol a incendiar-te o sorriso: fizemos um pacto com ele, com a vida com o futuro (Comboio estranho que derrete) fizemos um pacto com tudo que fluí, as linhas entrelaçaram-se, sinto a tua pulsação no meu peito e beijo-te os pulsos, a ansiedade nervosa da cidade, o doce espasmo das borboletas e a
Contracção de cada recém-nascido que parte –
A febre recheia a cidade –
O peito cheio de praças e cidades inteiras por dentro, viadutos túneis, contigo em cada esquina, dentro de cada café – com o pôr-do-sol dentro dos pulsos – a injectar o sol líquido no peito, não há mais caminho para trás – tenho a tua sede de futuro, são seis e vinte da manhã e a cidade acorda e adormece ao mesmo tempo – Sinto o calor de todos os que aquecem – A cidade a subir-me pela espinha dorsal, como uma nuvem branca, quando te abraço faço um pacto com a Vida
A cidade chama por nós e faz nós dentro de nós, tudo flui a uma velocidade frenética e todos os poetas futuristas, italianos, russos, franceses, portugueses, espanhóis levantam a cortina pesada da noite à velocidade do dia – enchem os teus olhos de sol – bebo por eles toda a cidade, todos eles sabem quanto te amo (cidade industrial, ceroulas, pastor alemão, civilização assustada, seringas e preservativos no chão, cave com vários fundos húmidos) a boca cheia de vidros – lambo-te o peito, os pulsos, os dentes, a língua (uma abelha na auto-estrada) o relógio de sol funciona à noite – se formos rápidos e seguirmos o dia – quando se patina sobre gelo fino a velocidade é a única salvação – e aqui cito todos os que não disseram a frase porque a sabem e sabem que o tempo corre – Sinto todo o desconforto dos cães à toa antes de serem atropelados
estou nas mãos dos fabricantes de carros que atropelam os cães, nas mãos dos operários, nos muros contra os quais urinam, os operários com as suas mãos – com a linha da vida a arder até ao pulso, e no fim do dia as mesmas mãos com a linha da vida a arder, ou várias linhas que se cruzam, a segurar o pulso da mulher, a acordá-la, a segurar o pulso de todas as mulheres dos operários – preciso tanto de calor – sou a sede, a raiva, o medo, a Vontade líquida de estar dentro de ti, sou líquido e fervo por ti dentro, amo os teus olhos a tua boca os teus dentes os teus pulsos os teus medos as tuas inseguranças as tuas dúvidas, os teus tornozelos, a tua saliva, a tua língua, os teus olhos, a tua boca, os teus dentes, amo os teus braços, as tuas mãos, braços, pernas, pés, e atravesso a peito a tua nuca quente, o teu peito a nado, sou líquido – vejo pelos teus olhos – todos – beijo-te os tornozelos, se penso em escrever um poema sobre o fogo lembro-me da bombeira voluntária de vinte e um anos que morreu a combater os fogos deste Verão – continuamos a subir – são 6:35 da manhã e a cidade acorda por ti adentro
Vejo por trás de ti
Por trás de nós
Por dentro de nós,
a cidade acorda: o sol dos teus olhos a injectar-me no peito uma Vontade Nova – Em tudo Nova – Amo tudo o que ferve
a noite láctea que te atravessa o peito de Calor
Ode que ferve e liga pelo skype,
nado por ti adentro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dizia-se em Oachaca

Falava-se em Oachaca da tua sede e de uma menina que injectou petróleo no peito – Cristalizou da sua boca um líquido em fogo a formar-se no canto do lábio em ponto de açúcar, em ponto de sol e fuga e conjunto de limões e conjunto de homens que acedem os faróis: e descia da sua boca, pela casa, pelo chão, descendo as escadas, descendo o passeio, descendo a montanha, e pela montanha abaixo descia um sol líquido adocicado pela memória de todos – toda a memória do mundo a descer como um degelo solar pela montanha abaixo, todas as montanhas abaixo: À beira do mar pensava-se que o Vesúvio tinha irrompido; Todos saíam para os seus trabalhos e acendiam todos os faróis vermelhos que anunciam a nova era e os faroleiros entravam com uma mensagem nova, e as mulheres dos faroleiros iam aos faróis levarem um tuparware com sopa e trazer a roupa suja para levar, e sacavam a roupa suja e voltavam a levar a roupa suja. E faziam amor com eles no cimo de todos os faróis. E da montanha descia a memória em direcção ao mar, em ponto de sol, em ponto de fuga adocicada: Fizemos um pacto com a vida e com tudo quanto flui. A santa injectou petróleo e cristalizou da sua boca um fio que caía ardente – Todo o sol, carregado de sal e doçura a entrar na veia de cada heroinómano, de todos os amantes… Iam para perto dos faróis: às seis e trinta: por baixo da ponte da Arrábida um carro estacionado com dois amantes, os vidros embaciados. Depois ele abre o vidro e acende um cigarro de haxixe, o vento do mar entra-lhe no carro e bate fresco e quente ao mesmo tempo na cara dos dois. Ela baixa-se, encosta-se contra o peito dele. Sente-lhe o coração. Leve e seguro. Ele passa-lhe suavemente as mãos pelos cabelos. Beija-lhe as orelhas. A menina em directo para a CNN a injectar leite condensado no peito para afastar todas as nuvens que são rios inteiros em forma de vapor a flutuarem. Não era o quê? Dizia-se o quê? Em Oachaca. Falava-se de febre e limões, de beijos na boca que podem não acabar, de línguas entrelaçadas, de mãos dadas, de mergulhos no mar. Falava-se de Pedro Abellardo e Heloísa, de Mariana Alcoforado e de Alejandra Pizarnik.
Diziam as raparigas de cabelo curto, com a boca cheia de cerejas negras, que o sol podia um dia não vir. Os Atlantas esperam-no, fazem um pacto com ele, nós com a vida. Créme de la créme pela montanha abaixo. O padre de Hiroshima a apanhar o sol no fundo da montanha. O padre de Hiroshima a meter um bocado na boca. A beber o degelo: a apanhar as sombras do chão. A prendê-las com molas no estendal - E o padre de Hiroshima, como a mulher dos faroleiros e dos cortadores de carne,, a estender também a sombra dos cogumelos e dos prédios que derreteram para o chão e a sombra dos lírios e dos corvos e a pegar fogo com o seu esqueiro, às sombras das girafas, de todos os homens, animais, plantas e coisas: Adora, como todos a palavra “húmido”e o seu deus não é palavra e não se escreve por palavras e não sabe ler nem escrever. E ler nem escrever ajuda a encontrá-lo e ler e escrever não é nenhum deus: Dizia-se em Oachaca que o sol viria sempre e isso chegava aos homens que levavam os seus burros pela manhã nos caminhos de Oachaca. Passava um carro, um camião, os dois amantes por baixo da ponte Arrábida. Vão à bomba de gasolina comprar tabaco e cerveja em lata. Voltam para o carro abraçados. Dizia-se em Oachaca que o sol lhes ia entrar no peito: Dizia-se em Oachaca que nós somos todos os outros. Uma roleta russa de mel, para diabéticos enquanto descem flocos de neve para dentro das bocas negras. Um nevão que cobre África. Falava-se em Oachaca da minha vontade de te abraçar. Falava-se de um derrame, na artéria do coração, um derrame de petróleo doce e branco como o leite condensado ou o leite gordo das baleias. Um petróleo injectável: Falava-se disso em Oachaca enquanto todos os carros passavam para o trabalho. Falava-se com febre e as mãos a tremer, outras vezes com calma e com a ajuda do mezcal e tequilla. A sombra dos lírios violava a sombra dos homens. E a febre dos homens entrava nas mulheres: Dizia-se tudo isso em métrica sáfica e escrevia-se nas paredes dos cafés, das casas, das escolas e de todos os edifícios públicos, o quanto te Adoro. O Padre de Oachaca ouvia e secava as sombras e secava os rios e esvaziava os mares com o seu balde de plástico: um trabalho como o de Sisifo. De cada vez que se contém o choro os rios sobem mais um pouco. Falava-se em Oachaca da febre dos búzios, de pernas entrelaçadas, de braços entrelaçados, de estrelas entrelaçadas. As mulheres dos pasteleiros acordavam a meio da noite, com as suas meias de lã grossa, para virem abrir a porta à estrela que com todas as suas pontas batia em cada porta, e entrava dentro das casas: Uma estrela feita de solidariedade, que cresce quando as pessoas se abraçam, que é só febre, sensação e calor.

domingo, 30 de maio de 2010

Musgo que dá Vida

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Foram dar banho a Patrícia (1) , mesmo assim não descobriram o seu sexo, desinfectam os seus eczemas, cortaram-lhe o cabelo. Puseram-lhe uma fita azul no cabelo curto, limpara as crostas de sangue nas curvas das orelhas, subia um bocado pelas fontes, a febre de Ana, anestesiada pelos calmantes. Fumou um cigarro no jardim do Hospital Psiquiátrico. Ficou sentada muito tempo Num banco de mármore, à sombra de um carvalho.

Não-lhe descobriram o sexo outras enfermeiras: Mas era Patricia, um ser humano múltiplo: Todos nós – No fundo de um lago dois sósias jogavam pólo aquático - estavam sempre empatados. O jogo demorou muito tempo; Patrícia disse que tinha um lago na cabeça. Apagou o cigarro que o médico calcou.


A música é vertical, não se vê mas é no entanto táctil e a maior conquista da Ciência Física ao serviço da Alma: O jogo continuava empatado, dentro da cabeça humana; com duas toucas roxas, o mesmo homem de sexo indefinido jogava contra si próprio e viva num empate do Fundo.
Gostava de ser uma mulher:


Foram dar banho à Patrícia e não lhe descobriram o sexo. Cronos cortou os testículos ao seu pai Úrano e atirou os testículos ensanguentado para o meio do mar. O sangue do sexo no contacto com o sal do mar, gerou uma espuma, pelo sémen de um titã do céu fazer humor com a terra. E da espuma, julga-se que no Atlântico formou-se uma mulher que emergiu: Patrícia foi criada da espuma, Afrodite foi criada da espuma: E Cronos passou a passear pelo lago. E a Patrícia nunca falava do tempo. Um relógio de alta precisão japonês: Era do seu pai: Patrícia meteu-o entre as mamas – O relógio de prata fria entre as mamas: E Cronos mergulhou no lago e ficou a observar os dois jogadores que eram o mesmo, com duas toucas diferentes: às roxas.



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Do casamento com Afrodite e Hermes, seu filho, nasceu uma criança de sexo indefinido: Patrícia – A hermafrodita que esquece. E nisto vejo a cidade de cima, vejo sempre a cidade de cima e sei onde eles estão: todos os filhos do sangue de Úrano: O planeta era hermafrodita e os pólos vão se unir: Noite e dia, sono e vigília, realidade e ficção, morte e vida, sonho e racionalidade, homem e mulher; espírito e carne (nunca pensei que o espírito fosse assim tão Carnal). A Fusão será única - a Patrícia vai mergulhar dentro do mesmo lago e sair para a rua para beber.

O planeta não pára: o ciclo não se fecha e renova e isso prova-o o coração de Patrícia a bater no peito: coordenado com o batimento cardíaco do seu coração, com o relógio frio entre as mamas

E Cronos passeia-se nas margens, com os pés no musgo, a fazer o tempo avançar dentro de Patrícia: Só há tempo se houver movimento de um ser. E A deslocação de um ser provoca da deslocação no espaço: na boca, na terra –Patrícia riu-se (como se deslocasse as margens de todos os rios sem dar conta: um riso contagiante. Caminhámos um bocado pelos jardins.

Aparece a Memória, a musa mais percersa, no seu bikini vermelho: E Cronos fixa excitado, completamente excitado, e para controlar a ansiedade e diminuir a tensão ordena aos deuses que hajam erupções em vulcões de todo o mundo: para acalmar a libido, os vulcões vêem-se em chamas por todos os cantos, todas as ilhas gregas, toda a Ásia Menor, toda a futura América Latina: Mas a memória é atraente e tudo quer. E Cronos não consegue controlar a erecção, e sai-lhe líquido pré—seminal como o de algumas flores gordurosas. E a Cronos só apetece fazer amor com tudo, fazem amor com tudo e consigo próprio, possuía a memória nas margens frescas do lago de Patrícia. E Cronos puxa a memória e dá-lhe um beijo no pescoço e depois no cabelo; a memória não se vira: Cronos não consegue acalmar a libido e quer possuir a memória de todos os homens, e comprar uma casa perto do lago de Patrícia, e ter os olhos magnéticos que tudo bebem, todas as memórias líquidas (as de todos) e mergulhar no fundo do lago.

E a memória que tudo Absorve compulsivamente chupa de baixo de água o sexo de Cronos, e os vulcões continuam-se a vir , aliviando-se a si e ao planeta: A memória chupa, e o sexo incha de prazer, o farol evangelista dá o sinal, os vulcões param, e Cronos vem-se dentro da boca da memória, e ela que tudo engole freneticamente, absorve algum do seu sémen e outro cospe na água esverdeado: os dois sósias espiam, E A mancha que bóia é o esquecimento e a anestesia. E os sósias vêm cá cima cima como dois peixes famintos e engolem o esperma esverdeado e adormecem abraçados no fundo do lago; Patrícia acende outro cigarro. A Memória volta a aparecer com o seu bikini, e repete-se o sexo oral subaquático, dos quais os dois homens que são o mesmo se anestesiam: e nos quais ficam viciados. E quando a Memória não vem ou vem mais tarde, os sósias ficam de ressaca, e tremem no fundo do lago.

e fazem amor por séculos na água quente do lago de Patrícia, enquanto os dois sósias espreitam no fundo: E o tempo, (toda a motivação só por o ser, é já movimento e acção)

Patrícia faz amor com a música horizontal (de onde vêm o prazer, a vida, a morte)
Patrícia faz amor com a vida horizontal e vem-se sozinha, no seu sexo indefinido, um orgasmo para cima do bolo (Tinha sido fundada por um Ministério, uma Associação que tivesse subsídios para se juntarem e comerem o bolo da Ana, com o leite branco e espesso de um orgasmo de dois sexos. E essa associação reunia-se num palácio com vista para o lago, grandes varandas, com cinzeiros grandes e sumos de laranjas e rissóis: E viam a Ana a afazer amor com tudo o que é horizontal, a Vida, a Música.

Conheci a Ana, levavalhe leite. Tentei que ela fosse comigo ao cabeleireiro, ao médico. Os seus eczemas preocupavam-me. Depois do leite bebia cerveja e vinho com outro sem abrigo ao lado Pingo Doce. Levei-a comigo mais tarde para o Hospital Psiquiátrico: Ela falou-me de um lago. Onde dois sósias jogavam Pólo-Aquático e estavam empatados e *as vezes lutavam e outras vezes faziam sexo dentro das balizasou no meio do campo.. Falou-me que o erro é a única forma de salvação e contou-me a origem do nome sexo e do nome sector. Os seus olhos pareciam de um magnetismo de âmbar, luminoso, um pôr do sol dentro da cabeça a iluminar de dourado o lago: Os seus olhos eram de cor nenhuma: mas extremamente Vitais. Do outro lado do lago outros olhos magnéticos, a chuparem a vida toda para si. Como se pelos olhos lhes entrasse todo o Universo.

Zeus criuou um único ser e colocou-o no planeta, um ser de sexo indefinido; Zeus achou-o feio e tosco e a precisar de companhia. Mandou que o fossem buscar e dividiu em dois; sectarizando, partindo, tornando um ser em dois. O homem ees mulher, cabia-lhes agora a eles serem deuses e eliminar essa secção e criarem eles próprios como deuses. E aproximarem-se na forma e em tudo numa fusão contínua. Patrícia levantou-se a sombra começava a desaparecer e fomos para outro banco, ofereci-lhe um cigarro à e ela continuou.: Riu-se “ A sombra dos lírios masturba a sombra dos homens”

Vivemos um século febril – Disse-me –Já leu Julian Artl? – Respondi que não – O nosso século precisa que a tecnologia se alie ao mais profundo da alma – A tecnologia ser só alma, ( o seu maior instrumento): Preciso de um abraço – Disse-me. Abraçámo-nos durante muito tempo. Eram por volta das seis da tarde.

Precisamos de mergulhar no mais fundo do humano: os seus olhos magnéticos, reflectiam o sol: Precisamos ser todos os outros, aprender com todos, mergulhar dentro dlees, nos seus olhos nas suas nucas, nadar dentro de cada ser humano, Lê-lo e ser também ele: Como se fosse morfina, o sémen de Cronos ( o que tudo faz mover) ou outra poderosa anestesia – o contrário de sentir que a memória cuspia, da cor na morfina para a água quente que e, que logo atraía o mesmo homem, que em dois corpos diferentes, nadava à superfície para com as suas duas para anestesia: Como o sémen liberto do tempo, fosse metadona: O esquecimento

Ficamos a falar durante mais meia hora e tive de regressar ao consultório.


(1) A mesma referida em "Delírio Húngaro"

Nuno Brito

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cerejas do fundo*

Uma rapariga comia cerejas, descalça na praia, e as ondas vinham e levavam os caroços. E no fundo do mar os caroços davam cerejeiras. E no cimo, com os pés molhados e salgados a rapariga comia cerejas numa praia perto de Nagasaky. Um cogumelo de fogo e fumo formou-se no ar e o mar contraiu-se com as cerejeiras no fundo. E a sombra da rapariga continuou a comer a sombra das cerejas: E as sombras dos pára-quedistas descem, fluorescentes no ritmo sobre a tarde roxa: e a sombra roxa recheia de susto os pescadores, todos eles com ametistas nos bolsos.

Mais tarde Mina cantaria Nagasaky Blues.


Nuno Brito